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Crônica: A REDAÇÃO DA PRIMA E O SABIÁ QUINTANA


Minha prima, no grupo da família no WhatsApp, contou uma história deliciosa. Escreveu ela: “A nona era muito ativa, viajava de trem para Taiúva e Taiaçu, era falante e chamava todas as mulheres de Maria e todos os homens de José. Conversava com todo mundo. Eu a achava admiravelmente vivaz. Era bem menina e um dia ouvi alguém dizendo que a nona estava tão impertinente. Adorei aquela palavra. Na primeira oportunidade, tratei de usar”.

E seguiu, a prima: “Estava no segundo ano primário e tinha que fazer uma redação. Não perdi tempo e brilhei na literatura: ‘Os passarinhos impertinentes pulavam de galho em galho’”. Desde que li, não consegui me esquecer mais desse trecho do texto da prima, que deveria ter seguido a carreira literária. Mas ela traçou outros caminhos. E nos deixou com a sensação de querer ler aquela redação até o fim.

Foi então que tive a ideia: me transportar para a mente criativa de uma menina de 8 anos e terminar a história. Teria eu a sagacidade necessária? Por que não tentar? E aí saiu o que segue. E que me desculpe a prima, por nem ao menos ter pedido permissão para me apossar do seu texto. Parente é para essas coisas, certo?

***

Os passarinhos, impertinentes, pulavam de galho em galho. Não era para menos. Afinal, a floresta que já fora exclusivamente sua durante tanto tempo agora parecia cada vez menor. A imensidão verde que se alastrava até perder de vista, mesmo para quem podia vê-la lá do alto, encolhia dia após dia. Culpa daqueles seres estranhos, que não tinham asas, mas podiam voar dentro de pássaros gigantes, rápidos como o pensamento. E deslizavam na água sobre peixes barulhentos. E podiam correr feito o vento nas entranhas de animais com patas redondas.

A cada movimento que faziam, levantavam uma nuvem de fumaça negra, mesmo que não houvesse fogo em parte alguma. Mas às vezes vinha era o fogo mesmo. Como entender que eles fizessem de suas próprias plantações fogueiras que lançavam chamas mais altas que as mais altas das árvores? Para que depois tudo se acabasse num chão desolado, seco, esturricado, onde só crescia mato para alimentar os animais chifrudos que eles trouxeram sabe Deus de onde.

Os galhos em que os passarinhos cheios de sua impertinência pulavam de lá para cá eram cada vez mais escassos. Que labuta sem fim para achar um bom canto para fazer um ninho decente! O que falar então do céu que já não era mais tão azul? E da água, antes tão limpinha, que virou um caldo fedorento? E do perfume que as flores emanavam em infinitas nuanças, agora camuflado pelo cheiro de queimado? Passarinhos, tão frágeis, como sobreviver àqueles bichos danados de ruins? Não percebem que, afinal, vão matar a eles próprios?

Não perceberam. A passarada só se conformou quando um sabiá chamado Quintana sentenciou: “Eles passarão… Eu passarinho!”. E então, resignados, voltaram a saltar nos galhos que ainda restavam.

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