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Crônica: Um café, por favor. Na xícara de ágata


Tenho uma canequinha de lata que é minha preferida para tomar café enquanto trabalho ou apenas observo, largado na varanda, a vida lá fora. Minha mulher diz que o nome correto do material do qual é feito esse agradável recipiente é ágata. Aceito. Ela sempre tem razão. Gosto dessa caneca porque, com sua pintura verde-água, cheia de imperfeições, lembra coisa da roça, de um tempo em que tudo era mais simples. Parecia mais simples, pelo menos.


Fico imaginando a família do meu avô materno, que morava numa propriedade rural, em uma pequena cidade. O pai, a mãe, irmãos, tios, primos, dividindo o mesmo espaço. Comia-se o que se plantava, o que se criava. A comida feita no fogão a lenha, as frutas apanhadas no pé, o bate-papo no terreiro de café ao anoitecer. Claro que é uma visão idílica de uma época que teve muita dureza, mas gosto dela. Gosto tanto que sempre quis morar numa casa de madeira. E moro. Sempre quis morar na zona rural. E moro.


Minha mãe, ótima pintora, já nos presenteou com vários quadros. Viajo sempre naqueles cuja paisagem tem uma cabana no meio de uma colina ou uma casa desgastada pelo tempo junto a um riacho. Fico imaginando como seria a vida nesses lugares. Dá vontade de me transportar a eles só por um tempinho, tipo umas férias. Uma caminhada pela manhã, almoço bem simples, um livro para ler à tarde, a conversa na varanda regada a uma boa bebida à noitinha. Dormir com o barulho do vento chacoalhando as árvores.


Paz. Talvez seja isso o que eu mais procure nesses mundos bucólicos, imaginários. Aquela paz que tanta falta faz hoje, sabe? Viajar num quadro ou num livro é tão diferente da inevitável checada de pouco em pouco na internet. Amigos viajando, bebendo, sorrindo, trabalhando no melhor emprego do mundo, embarcados nos melhores relacionamentos de todos os tempos, ostentando corpos e cabelos e dentes e carros maravilhosos. Todos tão felizes. Felicidade fake, irmão.


Leio o artigo de um psicoterapeuta sobre felicidade tóxica. Nunca tinha me deparado com o termo, mas entendo de primeira, sem nem precisar ler a definição. Tudo que é em excesso faz mal, diz o especialista, até a felicidade. Como saber que o doce é tão bom se não houvesse o contraste do salgado? E vice-versa. A gente sabe que felicidade é ótima porque tem a tristeza para nos dar uma carona de vez em quando. Queremos a paz justamente porque vivemos na balbúrdia.


O psicólogo conta que atende alguns dos tais influencers com transtornos psicológicos. Nem fazem ideia disso os milhares – em alguns casos, milhões – que os seguem para babar em suas vidas maravilhosas, nas quais uma simples ida ao mercado é um banho de glamour. É, amigo, perrengue não é privilégio de ninguém. Alguns enfrentam os maiores; outros, os menores, mas todo mundo tem os seus. E segue o jogo. Só um conselho: desconfie de quem é feliz demais.


A felicidade às vezes só precisa de um gole de café servido numa xícara de ágata, enquanto se observa o pica-pau no galho da árvore em frente da sua casa construindo seu ninho.

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