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Crônica: Sabichões virtuais investidos de missão divina


Meu filho começou a publicar conteúdo sobre futebol, que ele adora, no Tik Tok, aquele aplicativo criado pelos chineses para compartilhamento de vídeos curtos. Em pouco tempo, ganhou muitos seguidores e ficou bem animado. Mas não demorou a se decepcionar. O tanto de comentários negativos, muitos ofensivos, que recebe, trouxe indignação. Os fanáticos só aceitam elogios para seus times. Qualquer outro tipo de postagem é sinal de que o autor torce por este ou aquele clube, que não entende nada e mais isso e mais aquilo.


Disse ao meu filho que, infelizmente, é assim mesmo. Produzo conteúdo gratuito para a internet há muitos anos. Você está lendo um deles neste momento. Além de crônicas, também tenho publicado algumas dicas de texto. E já estou bem acostumado com a indiferença com que os posts são recebidos. Preguiça de ler texto com mais de três linhas. Tudo bem. Descobri que, para além de ter audiência, quero mesmo é escrever sobre coisas das quais gosto. Me faz bem. E que se dane se ninguém quer ler, mesmo que não tenha que pagar um centavo por isso.


Acompanho o canal do Netão no YouTube, um cara que manja tudo de churrasco. Ele faz vídeos de uns 10, 15 minutos com dicas bem legais sobre as mais diversas maneiras de assar uma carninha. O cara apresenta de um modo extremamente didático, além de divertido. Fico admirado que exista gente que perde tempo para fazer comentários criticando o conteúdo. Normalmente, porque o sujeito acha que sabe mais de churrasco do que qualquer outro ser vivente neste planeta e em outros. Se não gosta, não assista. Simples.


Tem outro canal que sigo, muito legal, em que o Barba fala sobre bandas de rock. Conta histórias, analisa discos, músicas e músicos, faz rankings de melhores e piores. A todo momento, ele precisa lembrar que aquela é a opinião dele. Que os outros podem concordar, discordar ou ser indiferentes. Frisa que não é dono da verdade, que apenas defende o direito de cada um se manifestar como quer. Não adianta. Sempre aparecem os otários que querem determinar o que pode e o que não pode ser dito.


Faz muito tempo que deixei de postar qualquer assunto polêmico nas minhas redes sociais. Não tenho maturidade para lidar com o tanto de gente chata que quer dar pitaco na sua mensagem. Gente que entende de tudo e de todos. Que está acima do bem e do mal. Que é PhD em política internacional, com especialização em genética, mestrado em economia e doutorado em psicologia. Que acha que é investida da missão, designada pelo próprio Deus, de quem é íntima, de impor como todos devem pensar, falar e agir.


Enfim, vivemos num mundo de sabichões virtuais. De gente que se informa pelos seus grupos reacionários de WhatsApp e pensa que desvendou o segredo de todas as conspirações já arquitetadas. Que o máximo que leu foi a mensagem de feliz aniversário que sua tia mandou no Facebook. Que decorou a frase de pensamento positivo que a influencer disse no seu story. E que isso a faz tão culta e inteligente, que não pode se privar de mostrar ao mundo quão insignificante ele seria sem ela.

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