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Crônica: Príncipe e Silver que me aguardem


Príncipe e Silver levam praticamente uma vida de aposentados. O sedentarismo ao qual foram relegados só é quebrado quando aparece, raramente, alguma criança disposta a montar em seus lombos. Não acredito, porém, que seja esse o melancólico fim reservado à brava dupla de equinos, outrora movida em suas aventuras por imaginários mundos por gritos de “Aiô, Príncipe!”, “Aiô, Silver!”. Eles ainda terão muita lenha para queimar, se depender da minha vontade.


Afinal, Príncipe e Silver nos deram muitas alegrias, e merecem continuar se prestando a esse lindo trabalho para o qual foram talhados em fibra de vidro. Príncipe, branquinho; Silver, como prenuncia seu nome, prata em inglês, com suas manchas acinzentadas. Arreios e selas coloridas, assim como o suporte em que se prendem para balançar livremente, dão um toque final ao garbo e à elegância dos amigos.


Como deve ter ficado mais ou menos claro até aqui, Príncipe e Silver são dois cavalinhos de balanço, que há décadas ocupam um espaço nas nossas vidas. Foram instalados pelo meu sogro, que nem cabia em si de felicidade quando do nascimento de sua primeira – e única – neta. Única mulher, diga-se. Pois a ela, anos depois, iria se juntar um irmãozinho que também galopou por milhas e milhas nas costas anatômicas dos companheiros de quatro patas.


A bem da verdade, e para me manter fiel aos fatos, Príncipe e Silver poderiam ser classificados como uma espécie de Pégaso, pois não correm, voam. E como voam! Para aflição das avós, zanzavam lá no alto, de um lado ao outro, indo de frente, voltando de costas, muitas e muitas vezes, carregando a amazona e o cavaleiro tão miúdos, cabelos loiros ondulando ao vento, gargalhando sem freio ao singrar céus azuis malhados de nuvens de algodão.


O tempo passa inapelavelmente, como se sabe, e essa é uma das poucas certezas da vida. Não há cowboy que, por mais habilidoso que seja seu laço, consiga segurar os ponteiros dos anos. Sonhei, quando criança, em ser Peter Pan em seu eterno mundo de aventuras e magia. Aprendi, porém, que é muito bom que as coisas fiquem para trás, inclusive as melhores, porque lembranças às vezes suplantam a realidade, posto que as sublimamos.


É desta forma que os voos de Príncipe e Silver estarão sempre na minha memória, assim como a alegria de meus filhos a desafiá-los a ir cada vez mais alto. Minhas eternas crianças, por sua vez, já viajam em seus sonhos tão reais, aladas pelo Pégaso da maturidade. A exemplo de mim, tenho certeza de que nunca se esquecerão de seus cavalinhos. E Príncipe e Silver que tratem de ir desenferrujando suas etéreas asas: tenho para eles planos que são opostos a uma tranquila aposentadoria. Eles que me aguardem!

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