Em que fase você está? Roxo de raiva? Vermelho de vergonha? Sorriso amarelo? Ou está branco pálido de medo? Não importa em que tonalidade suas emoções se encaixem neste momento, a verdade é uma só: ninguém sabe qual é a verdade. Porque é assim que a coisa funciona. Tem a verdade dos cientistas, dos pesquisadores que nos mostram o que é certo e o que é errado para tentar conter essa assombrosa pandemia que detonou 2020 e está explodindo 2021. E tem a nossa verdade pessoal, que é aquela na qual a gente quer acreditar.
Dou um exemplo. Antes da mais recente fase vermelha, uma conhecida postou em suas redes sociais fotos de praias cheias durante o carnaval. Vomitou as regras e se sentiu com o dever de cidadã cumprido. Esqueceu-se ela, porém, que poucas semanas antes havia distribuído, a dar com pau, retratos seus e de seus familiares em uma viagem por belas praias do litoral nordestino. Com direito a resort de luxo e tudo. Então, na cabecinha dela, seu lindo passeio não poderia ser adiado até o fim da pandemia, mas o amiguinho que foi tomar umas biritas na Praia Grande deveria ter ficado em casa.
Cito mais um exemplo. Conversava com um colega de profissão, num encontro forçosamente presencial, porque não havia outra forma de sê-lo, e ele criticou com veemência aqueles que se reúnem aqui ou acolá para celebrar a vida, essa danada, tão frágil e cada vez mais ameaçada. Pois bem, enquanto ditava suas noções de comportamento exemplar para momentos virais, o fulano cuspia no ambiente trilhões de micro-organismos que libertava de seu organismo. Sim, ele em nenhum momento vestiu uma máscara.
Mais um exemplo? Lá vai. O sujeito, assim, até que admitiu que o presidente pode ter dado uma escorregadinha aqui ou ali, talvez um tequinho de negacionismo, vá lá, mas que tinha razão em não dar tanta importância ao coronavírus. Por que a imprensa – ah, a imprensa, sempre ela – não divulga também quantas pessoas morreram de câncer no ano passado? Aí você raciocina na sua mente confusa: hein? Se entendi, a ideia é que, se muita gente morrer de câncer, o perigo do coronão se dilui num mundo estatístico, diminuindo a importância do vírus no preenchimento das covas nos cemitérios da vida. Confere, produção?
E assim vamos nós, de exemplo em exemplo, vivendo um dia a dia no qual não se fala de outro assunto. Meu filho, sabiamente, solicitou questão de ordem e propôs que o tema coronavírus fosse vetado durante as refeições em família. Antes que alguém pudesse se opor argumentando censura, o plenário deu uma pausa nas mastigações e concordou, uníssono (acenando com a cabeça, para não falar de boca cheia, que é feio), em adotar o procedimento sugerido. Temos pensado agora em levar a iniciativa para outros momentos do nosso cotidiano, em favor da nossa sanidade mental.
Decorre que, de tudo isso, apreendemos e aprendemos que, um ano após o início da pandemia, continuamos ignorantes sobre ela. Há governantes que, convenhamos, são ainda mais ignorantes que o populacho, posto o estrago que fazem as bobagens que excrementam pela boca, sem máscara. E seguimos nos policiando uns aos outros, como tanto temos feito inutilmente nas últimas décadas. Marchamos ruminantes rumo ao abatedouro, onde nos aguarda um carrasco com sua arminha em punho. No caminho, mugimos freneticamente para reivindicar razão. E não há artigo mais em falta neste circus brasilis que a razão.
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