Algumas coisas me incomodam. Há quem diga que estou ficando ranzinza. Talvez minha família discorde do “estou ficando”. Enfim, eles que lutem. Com 51 anos recém-completados, tenho direito a ser um tantinho mal humorado vez ou outra. Não que eu esteja ficando velho, veja bem. Calcule que o Mick Jagger, 77 anos, lançou recentemente, em parceria com o multi-instrumentista Dave Grohl, do Foo Fighters, uma canção cheia de energia, “Eazy Sleazy”, em que faz uma crônica bastante lúcida dos atuais dias pandêmicos. Na ativa, aos 77.
Também faz bem pouco tempo que o Paul McCartney, 78 anos, apresentou um novo álbum, que tem a participação de uma galera muito mais jovem que ele, representando diversas tendências musicais. Antenado, aos 78. Não que eu queira me comparar a esses dois semideuses da cultura pop internacional, longe de mim. Conto tudo isso porque música me interessa muito e, por meio dela, mostro que passar um bocadinho assim do meio século de vida, hoje, é praticamente entrar na adolescência.
Agora, fica difícil discordar de mim quando me revelo aborrecido por algumas questiúnculas do cotidiano. Por exemplo, a expressão “beijo no coração”. Entendo a dose extra de carinho embarcada nela. A pessoa quer dizer que só mandar um beijo é pouco para demonstrar toda energia positiva que ela está lhe enviando naquele momento. Ela anseia que você sinta lá dentro, que seja de fato cordial, adjetivo que, num sentido mais etimológico, traduz algo que vem do coração. Ou seja, de coração para coração.
É até bonito o gesto de mandar um beijo no coração quando analisado de forma tão graciosa. Entretanto, não consigo deixar de imaginar o constrangimento de alguém lhe dando um beijo na região cardíaca. Acho estranho, sei lá. Às vezes a pessoa nem tem tanta intimidade para isso. Também fico cabreiro com motoristas que não conseguem absorver, na totalidade, o sentido do imperativo “Pare” estampado nas placas e asfalto dos cruzamentos. A mim, a orientação me parece clara: “Pare” quer dizer que você tem que parar. Deveria ser simples.
Todavia, a interpretação que muitos motoristas fazem de “Pare” é mais ou menos essa: “Note que vem outro veículo na preferencial, finja que não é com você e entre na frente dele. Depois, siga bem devagar, impedindo que ele o ultrapasse, para irritá-lo ainda mais”. Perceba que praticamente perfurar o volante, com o objetivo de que sua buzina soe mais alto que o possível, não faz a menor diferença para o tranquilo condutor que segue à sua frente. Provavelmente, porque não consegue decodificar que o som é dirigido a ele.
Casais que ocupam duas filas no mercado para escolher aquela que chegar primeiro ao caixa. Receber 20 telefonemas diários da mesma empresa lhe oferecendo um serviço que você já deixou claro que não quer. A mania do brasileiro de marcar um horário pro forma, porque todos vão atrasar mesmo. Pessoas que seguem acreditando em mitos na política, mesmo que todas as evidências mostrem que seus pés não são de barro, mas de lama. E depois querem me dizer que estou ficando ranzinza. Ah, vai catar coquinho!
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