A pandemia vem nos proporcionando momentos constrangedores. Devido ao tal coronavírus, que se estabeleceu sem pedir licença e não dá o menor sinal de querer ir embora, protocolos sociais seculares estão sendo desvirtuados. Como nem colocar a vassoura atrás da porta tem adiantado para a visita indesejada cair fora, teremos que continuar, sabe-se lá até quando, privando-nos de comportamentos que, de tão normais, mantínhamos sem que nem mesmo nos déssemos conta.
Cumprimentar outra pessoa, por exemplo, com um aperto de mãos. Desde que nascemos, somos ensinados que apertar a mão de alguém é um sinal de cortesia e, dependendo do nosso grau de intimidade, de amizade. Tornou-se um gesto tão universal que ganhou até o Dia Internacional do Aperto de Mão, celebrado em 21 de junho. Bonito, né? Então, a pandemia tornou essa tradição tão antiga uma confusão. Conforme o nível de receio de pegar a Covid-19 ou de parecer alheio aos seus perigos, cada um tenta desenvolver seu jeito de cumprimentar.
Isso fez com que o aperto de mãos se transformasse numa espécie de Janken-pon, ou jokempô, que foi como abrasileiramos o nome desse jogo. Todo mundo sabe do que se trata. Cada um estende a mão com o punho aberto, fechado ou com os dedos indicador e médio estendidos e os outros encolhidos. Esses gestos representam, respectivamente, papel, pedra e tesoura. Dependendo da combinação, um elemento ganha do outro. Pois bem. Agora, quando encontro um amigo, sempre me sinto num jokempô.
Enquanto uns mandam os vírus às favas e já abrem os dedos, ávidos por apertar a mão alheia, outros se recolhem num gesto como se fossem socar, mas, longe disso, pretendem apenas tocar o interlocutor, suavemente. Sendo assim, às vezes seu amigo lhe apresenta a mão escancarada, enquanto você vai de soco. E aí perdeu o jogo, porque, no jokempô, o papel embrulha a pedra e já era. Nesse momento, sorrisos amarelos se escondem sob as horrorosas máscaras que somos obrigados a usar.
Mais estranho que isso, porém, é aquele cumprimento com os pés que alguns insistem em fazer. Sabe aquele de tocar pé com pé? Pergunto-me: para quê? Se não quer esfregar os vírus da sua mão nos vírus da mão do outro, simplesmente pare a uma distância segura da pessoa, faça um gesto indicando que não a tocará, mas sem deixar de ser cordial, e pronto. Sintam-se cumprimentados. Porque, vamos combinar, tocar os pés parece aquelas danças de Oktoberfest.
Bom, se tudo isso advém apenas do fato de não podermos mais nos dar as mãos, imagine então com o proibidíssimo beijo no rosto, esse gesto tão enraizado na nossa cultura, que aproxima parentes dos mais variados graus e amigos, e até mesmo quem acabamos de conhecer. Se paulistas trocavam um beijo e cariocas, dois, agora ninguém beija mais ninguém. Fico pensando como será quando a pandemia acabar. Ainda teremos coragem de aproximar a boca de alguém que vai saber quantos (e quais) vírus carrega?
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