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As lições da escada, degrau por degrau


Depois de mais de 20 anos de bons serviços prestados, a escada de casa que ligava o jardim à varanda arrefeceu. Feita de madeira, já havia passado por umas revitalizações. Eu mesmo tinha dado algumas demãos de verniz, alguém ajudou com uma gambiarra aqui, outra ali. Porém, c’est fini. Apodreceu e quase protagonizou acidentes. Era hora da despedida. Munido de um machado e de alguma solenidade, coloquei-a abaixo, degrau por degrau. Bom, pelos menos aqueles que haviam sobrado.


O projeto previa a substituição da antiga escada de madeira por uma de alvenaria. Degraus impecavelmente retos, imponentes, angulosos, confortáveis. Pena que alguns profissionais que cotamos para a realização do serviço acreditaram que iriam erigir uma escadaria para o Palácio de Buckingham. Pelo menos foi isso que os preços cobrados sugeriam. Até que tive a ideia – não muito brilhante, eu entenderia depois – de encontrar uma alternativa mais barata.


Conversei com um conhecido faz-tudo da família que, sem hesitar, colocou-se à disposição para a empreitada. Sua convicção não deixou restarem dúvidas. O orçamento, idem. Semanas de estudos se passaram, talvez tempo suficiente para projetar uma usina nuclear, até que a obra finalmente começou. Tudo indicava, pelos primeiros movimentos, que daria errado. Deu. Vamos à conclusão, para encurtar a história.


Solicitamos (não muito gentilmente, admito) que o esforçado quase-profissional interrompesse a construção. Nessa altura, ele ganhara o apelido de Oscar, em referência ao Niemeyer, tamanho o número de curvas que imprimiu ao projeto. Um gênio mal compreendido, talvez. A família solidária correu ao nosso socorro. Meu sogro capitaneou algumas iniciativas de redução de danos e, enfim, estamos quase terminando a escada.


Expectativa e realidade ficaram anos-luz uma da outra, é verdade. Entretanto, os bastidores da obra não têm preço. Hoje temos vários causos da escada para contar, e as lágrimas de raiva vão dando lugar às das gargalhadas. Pode-se dizer que os erros aproximaram a família. Xingamos juntos, rimos juntos. Alguns colocaram a mão na massa, literalmente, outros contribuíram apenas com pitacos. Mas todos participaram, de uma forma ou outra.


Hoje nossa humilde residência ostenta uma escada estilo barroco, acredito. Há os que juram que é feita de pedras. Quem não leu este texto vai acreditar que a rusticidade da obra foi proposital. Afinal, uma demão de tinta marrom e várias mudas de planta deram um toque de charme aos degraus. Degraus que nos ensinaram que é possível lidar com as decepções com mais leveza, com mais graça, com bom humor. Ensinaram-nos, sobretudo, que, na hora de construir, é recomendável contratar um profissional decente...


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