Mudam as gerações, mantêm-se certos padrões. No conto “Teoria do Medalhão”, escrito lá no século 19, Machado de Assis imaginou o diálogo entre pai e filho no dia em que este completara 21 anos, atingindo, portanto, a maioridade. Após o jantar em que se comemorara o aniversário do jovem, o pai o procura antes que ele durma e, com ar sério, avisa que tem coisas importantes a lhe dizer. “A vida é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, os malogrados inúmeros”, sentencia. E aconselha: há diversos ofícios que ele poderia optar por seguir, mas que não existiria nenhum “mais útil e cabido que o de medalhão”.
Sim, medalhão, tal e qual como usamos a expressão hoje: a pessoa conhecida e respeitada, não importa exatamente o que faça. Em seus conselhos, o pai orienta o filho a usar frases feitas, a não pensar fora da caixa, a concordar com a maioria, enfim, a manter um controle sobre seu raciocínio para não dar brechas a ideias. Ou seja, a seguir com a manada, agradando sempre aquelas pessoas que poderiam ajudá-lo a conseguir status. E, sempre que possível, buscar tornar público seus feitos, mesmo que irrelevantes. Tudo, em sua vida, deveria ser pensado tendo esses ensinamentos em mente.
Parece alguém que você vê sempre passeando pelo Facebook ou pelo Instagram? Pois é. Hoje, mais importante que curtir a viagem, é mostrar aos outros que viajou. Mais um país visitado? Check! Dane-se que o passeio foi uma chatice, com o casal mal se suportando e os filhos mais preocupados em comprar do que em curtir as férias. E tome fotos. Reunir a família é bom, certo? Mas é tão mais legal postar os retratinhos do encontro com todos sorrindo felizes, em plena harmonia. Não faz mal que a coisa não seja exatamente assim, que as diferenças estejam tomando proporções intransponíveis. O importante não é ser feliz, é parecer feliz.
Nossa popularidade hoje é medida por curtidas, comentários e compartilhamentos. Um texto legal, uma ideia interessante, uma dica cultural, tudo isso está relegado ao porão do conteúdo que não desperta interesse. Claro, seus amigos virtuais vão, em sua maioria por educação, dar uma ou outra curtida, talvez até comentar com mãozinhas batendo palminhas. Poucos lerão, no entanto, essa é a verdade. Mas aquela foto de cabelo suado acompanhada da frase “O de hoje tá pago” para deixar claro o quão intenso foi seu treino, isso sim dá ibope.
No nosso tempo, o pai que quer transformar o filho em medalhão tem dicas desse tipo para dar. Lembre-se: nada de pensar fora da caixa. No aniversário de alguém próximo, comece sempre com “E hoje é dia dele!”. Pesquise frases desse tipo, que todos usam à exaustão. Look do dia é sempre uma boa pedida. A foto do quitute que você preparou para comer sozinho porque não tem ninguém para dividir também cai bem. No final de semana, dois copos cheios de vinho, apesar de estar sozinho. Afinal, ninguém precisa saber dos detalhes.
Filme e fotografe tudo que você faz. Se conseguir, até derramar algumas lágrimas pode render audiência. Mas só de vez em quando, afinal, você precisa ser feliz o tempo inteiro, ok? Fotos de participação em cursos e congressos desinteressantes também valem, até porque só você vai saber que o conteúdo é uma droga. Necessário sempre reforçar: não invente moda! Seja e faça mais do mesmo. Por que mexer em time que está ganhando? Se gostam de como a coisa está, não é você que vai transgredir. E se inscreva no meu curso “Como se tornar um medalhão de redes sociais”. No final, vai ter um certificado para você postar no Face e no Insta.