Crônica: PRIVAÇÕES, PROVAÇÕES E NOSSA PEQUENEZ
- Marcos Paulino
- 21 de jul. de 2020
- 2 min de leitura

Privações e provações. Palavras quase idênticas e que tanto significado agregaram nos últimos meses. Ganharam força num organismo em forma de coroa – pelo menos é isso que dizem os cientistas do alto de seus microscópios potentes – que veio da China – pelo menos é isso que dizem os cientistas, novamente. Bom, se o bichinho (seria um bichinho?) tem forma de coroa ou se veio da China, na verdade, pouco importa neste momento. O que conta mesmo é que o tal do coronavírus deu um nó em nossas vidas.
Primeiro, vieram as privações, que demoramos a entender que deveríamos respeitar com muito mais rigor. Dizer que fomos privados de liberdade é um tanto de exagero. Ninguém foi encarcerado. Mas fomos privados, sim, daquele ir e vir que tanto gostamos. Pelo menos boa parte de nós, certo? Porque teve gente que deu de ombros para os alertas das autoridades. Não falo de quem precisou, mesmo que às vezes contra seu sentido de autopreservação, ir à rua para defender seu sustento.
Falo de quem continuou batendo sua bolinha, indo à academia de forma clandestina, fazendo churrasco para um monte de gente, que aproveitou os mercados abertos para passear, enfim, quem não está nem aí para o caos que estamos vivendo. Quem decidiu se resguardar, e resguardar por tabela outras pessoas, privou-se de fato do futebol, da academia, do churrasco e de mais um monte de atividades de que gosta tanto. Muitos também tiveram que se privar de trabalhar, e pagaram um preço bem alto por isso.
Depois das privações, vieram as provações. Famílias onde a harmonia não é exatamente a tônica tiveram que aprender a conviver por muito mais tempo. Mulheres vítimas de cônjuges violentos passaram a sofrer ainda mais. O ganha-pão que minguou – e para muitos secou –fez a geladeira e a despensa esvaziarem. Os boletos empilhados num canto sem condições para honrá-los. A solidão. A saudade. O tédio. Cada um deve ter sua história de provação para contar.
Tudo isso revelou como a humanidade continua despreparada para enfrentar perigos invisíveis que já tinham feito estragos enormes em outras pandemias. A ciência se desenvolveu, as vacinas evoluíram, a medicina avançou, mas nada disso se mostrou suficiente para conter as surpresas que a natureza de vez em quando nos prepara. Um simples vírus nos alertou de que pode matar no mundo pobre e no mundo rico, no mundo branco e no mundo negro, no frio e no calor, ricos e pobres. Se bem que estes com muito mais probabilidade que aqueles.
Enfim, um tal de coronavírus nos provou, mais uma vez, que estamos muito longe de qualquer solidariedade neste planeta. É cada um por si, virando-se com suas privações e provações do jeito que dá. Uns têm passado pela pandemia com mais tranquilidade que outros, é verdade. Mas para todos nós que vivemos este momento, vai ficar uma pulga atrás da orelha. Enquanto a gente se esforça tanto para destruir nossa casa, há inimigos com potencial para nos varrer da Terra com muito mais eficiência que nós mesmos. Jogando na cara da humanidade toda nossa insignificante pequenez.
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