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Crônica: A QUARENTENA E A ESCOVA DE CABELO


A quarentena me fez ressuscitar um equipamento que há anos, sem exagero, eu não usava: a escova de cabelo. Certo dia, um tanto espantado, dei-me conta, ao sair do banho, de que não bastaria apenas secar as parcas madeixas com a toalha para que cada fio se incumbisse, incontinenti, de se manter no lugar de praxe. Olhei então para a parte que minha mulher ocupa no armário do banheiro e pude descobrir que, sim, havia em nossa casa uma escova para dar um jeito nos revoltosos cabelos.

Bastante sem jeito devido à falta de prática, muni-me daquela estranha ferramenta e me pus a lembrar de como, afinal de contas, usa-se aquilo. Percebi que pentear o cabelo é como andar de bicicleta: por mais tempo que se fique sem treinar, a gente acaba, depois de um tempinho, ganhando confiança. Donde que, meio no modo automático, dividi a cabeleira (nem tanto, Marcos, não se empolgue...) em duas partes, mas não no meio, que acredito ser fora de moda. Ou não, pois, como acho que já deixei claro, por bastante tempo não me preocupei com isso.

Essa história, até aqui, está meio confusa, reconheço. Vamos clareá-la. Quem me conhece sabe que não sou exatamente famoso pela abundância capilar. Para piorar, os fios são tão finos que seriam necessárias algumas carretas deles para marcar presença. Não é o caso. Nem de longe. Junte-se a isso o fato de serem extremamente lisos, prejudicando ainda mais o quesito volume. Fatores que me levaram à decisão, séculos atrás, de manter os cabelos bem curtos, portanto, arrepiados. Acostumei-me com eles assim e era feliz.

Mas aí veio a quarentena, que me pegou no momento em que uma visita ao barbeiro – sim, eu ainda chamo cabeleireiro de barbeiro – fazia-se necessária. Claro, não fui. Ao contrário de todo esse mundo de gente que não consegue parar em casa apesar de termos um vírus perigosíssimo à espreita por aí, tenho saído o menos possível. Mercado de vez em quando, farmácia, não muito mais que isso. Trabalho, refeições, exercícios físicos, a cervejinha do final de semana, tudo está ocorrendo devidamente dentro dos meus limites domésticos.

E, enquanto tudo isso acontece, os cabelos vão crescendo em ritmo de cruzeiro. Devagar e sempre. A quarentena se alonga e os fios idem. O que fez com que eu e a escova, de início timidamente, depois de maneira mais descarada, fôssemos, aos poucos, retomando um relacionamento que parecia estar fadado a permanecer para sempre no passado. Não sei até quando tudo isso vai durar, a quarentena e os cabelos. Sendo assim, vamos nos ajeitando da melhor forma que podemos.

Minha prestimosa esposa até se aventurou a dar uma desbastada nas áreas laterais e traseira desta cabeça dura que carrego. Se ficou bom? Ela fez o melhor que pôde, pelo que, penhorado, agradeço. Nada profissional, mas bem além do que eu apostaria. O que nos faz ir abrindo o leque para outras possibilidades de ganhar um dinheirinho. Ela poderia se aperfeiçoar nos tratos capilares e eu, no trabalho como pintor.

Sim, tenho aproveitado a quarentena – e, portanto, a falta de churrascos, botequins e shows – para dar uma geral nas paredes de casa. Mas isso é tema para uma outra conversa, na qual sai a escova de cabelo e entra o pincel.

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